OPINIÃO
Segunda-feira e a máquina de moer espíritos...
   

Por Dilso José dos Santos - Mestre em Letras.
19/02/2021 16h24

Nas segundas-feiras o peito sempre desata os nós em nós, os desempregados do mundo. Nesse dia não só temos a plena certeza, como sentimos na espinha a violência da estatística. 
Sobre a mesa a Constituição Federativa do Brasil encontra-se aberta como um pássaro verde a me cantar direitos e dignidades. Acima, na caixa de folhas de papel, dois livro dividem a mesma altura, contos e romance em igual altitude. Atrás desta máquina de moer palavras, sobrepus todas as obras de poesia que tenho – todas as 29. Assim, para não sufocar na angústia do esquecimento, leio todos os dias um poema de um poeta diferente. Escoro-me sobre a janela e tento arrombar com suas imagens as feiuras deste corpo deprimido. Os remédios – os cinco, nas nove medidas que preciso engolir ao dia – olham-me como se olhos tivessem. O poema ainda está na minha cabeça. Paro e volto a tentar encontrar conforto na Constituição. Há tantas verdades inexequíveis a quem não dispões de grana, que passo à leitura de um capítulo de outra obra como forma de fugir dali/daqui. Neste caso, voo para a Nigéria, de Chimamanda... Encanto-me ao fechar o livro, e sorrio... quando Clarice Lispector me obriga a conversar, também, com algumas de suas eternidades... 
O dia não passa. Os silêncios se “miacoutiam” em estados de muitas gravidezes. O “não-dar-aulas” é pesado, pesado de mais para um professor das palavras gritantes e passarinheiras... Os dedos tremem no ataque miastênico, forçando-me a parar de frase em frase, num perfeito trocar de marcha do pensamento. As traições que culminaram na venda de minha vida, retorcem-se em meus miolos. O estado de depressão os coloca em círculos dolorosos que, em sisifismo, nunca param de girar. Nos rostos dos comerciantes de minha alma, ali nos dentros deste cadáver, mascaram-se os dentes em sorrisos de prazer ao me verem definhar. Choro sozinho. Canso-me da vida e dos cristãos que rezam para que morramos... 
Saio, e para tentar envolver-me com outras pessoas, vou até onde o paradoxo do “estar-só” me põe em contato com outras gentes. Ali nessa rede (rede social) encontro ainda mais dor num anúncio pouco empático de um “precisamos ser positivos aqui, vou excluir quem postar coisas tristes”. Mas como ficar alegre num cenário ‘desfuturado’ e pouco amigável em que se constrói o Brasil? Como abandonar a mim mesmo e fingir estar 100% feliz?
Lembrei-me de meu remédio para dormir, um para desligar e esquecer-se de tudo numa pequena morte que irá, ao menos, me abster desta moedora de espíritos, que é a segunda-feira.
 


   

  

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